A Geração “Chicco”

Out 27, 2010 1 Comentário de

por Manuel Rangel


- Artigo Publicado na Revista 2 Pontos, nº 7, Outono 2007, p.50

Estamos a formar aquilo a que chamo as “Gerações Chicco” (passe a publicidade).

Queremos, para as crianças, “escorregas” sem esquinas, pregos, parafusos ou farpas. Queremos jardins sem objectos pontiagudos, sem paus, sem pedras; queremos bancos de jardim sem rugosidades nem lascas; queremos redes e grades sem ferrugem; parques sem gravilha nem degraus, com pisos não abrasivos, com chão anti-derrapante; queremos mesas sem cantos, degraus sem esquinas, corrimões só boleados; janelas que não abram, portas que não fechem… Enfim, para ELES tudo seguro! Tudo sem perigos, sem riscos, sem obstáculos!

(Talvez seja por isso que tenho visto, ultimamente, tantas crianças de 6, 7 e 8 anos que descem e sobem escadas sem alternar os pés e com tanta dificuldade! – o que deveriam ter aprendido aos 3/4 anos.)

Mas não é só nisso que somos “cuidadosos” e “preocupados”!

Quem não se lembra do anúncio recente sobre o pão sem cantos ou côdea? Um verdadeiro monumento – escandaloso, do meu modesto ponto de vista! – a este tipo de gerações que estamos a formar! Mas o problema, é que nós vamos embarcando nisso!

Fruta? Não!

- tem caroços, custa(-nos) a descascar, suja(-nos) tudo… e já há em plástico ou vidro pronta a beber – o “essencial”! E há sumos e papas! Peixe? É aquela coisa terrível com espinhas… uma preocupação! E para quê esse trabalho (deles/nosso?!) se há aquela massa em rolinhos que o emita tão bem (e o pão ralado ainda ajuda a disfarçar!). Sopa? Sim… mas passada, claro! – sucessora dos frasquinhos de tão boa carreira nos primeiros meses de vida! Agora couves, isso não! Enrolam-se na boca, prendem-se nos dentes! Até lhes dá vómitos! (E é verdade! Tenho apanhado dezenas de crianças nessa situação… com verdadeiros vómitos!). Carne? De preferência também passada!… Comem melhor! (E vão-se treinando para os hamburgers!) Ou muito disfarçada! De um bife sempre hão-de gostar, mais tarde! Batatas fritas, isso claro! Há aquelas de pacote ou em pasta para fritar!… De facto, só quase faltava o pão sem côdea!

Mas em casa, com os “espaços”, é a mesma preocupação! ELES em ‘primeiro lugar’! Um quarto para cada! Cada um pode ter as suas coisas, sem implicar (e sem termos que os ouvir a toda a hora)! Televisão? Pelo menos duas ou três em casa! Senão passam o tempo pegados (e nós a resolver os conflitos)! Livros? Cada qual tem os seus, senão é uma guerra… e é o mesmo com o computador e a play-station!… O quê, mais de dois filhos?!… Já assim é um sarilho no carro!…

Que tudo isto é feito a pensar no melhor para ELES, não tenho a menor dúvida! Mas não sei se é o melhor que lhes podemos ou devemos dar!

“Rosas sem espinhos!”

– quando todos nós sabemos, tão bem e por experiência própria, que essas, só em estufas… e casos raros!

Porque vai chegar o momento em que lhes vamos querer pedir esforço, em que queremos que enfrentem obstáculos, que encararem as dificuldades… e, nessa altura, “não percebemos porquê”… mas não estão habituados!

No início de um mais um ano lectivo, que representa o regresso ao trabalho e deveria representar, para todos nós, o retomar do nosso melhor esforço… talvez valha a pena pensar no que andamos a fazer!

Geração Chicco, Temas em Discussão

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Um Comentário sobre “A Geração “Chicco””

  1. Teresa Garcia says:

    Mãos rodeando a barriga ondeante, dentro da qual ele se refugiava dos bramidos do mundo. Já nessa altura morava a ansiedade de um futuro ainda por escrever. E assim, eles foram esculpindo aquele universo que eles criam de movimentos protegidos.
    Numa sociedade que vomita informação por todos os poros, eles, apesar de sedentos do conhecimento, temiam frequentemente o saber, receavam as vozes circundantes que ecoavam e lhes sussurravam medos que nem eles próprios tinham imaginado. A sua criação, essa, ia apreciando o mundo naquela pequena redoma que eles lhe tinham construído desde cedo, porque não queriam, de todo, (até os nauseava) que ela se perdesse na vida real e que fizesse com que os medos, somente murmurados, se metamorfoseassem em concretizações monstruosas há muito temidas.
    Mas a verdade é que eles sabiam bem que aquele trilho sem rugosidades poder-lhe-ia ser nocivo, mais tarde. Eles sabiam que seria interessante para a sua criação conhecer a dificuldade, saudar o gosto amargo de alguma desilusão, esperar sofregamente por algo que poderia ser apenas um “possível talvez”. Eles tinham percorrido esse caminho e, mesmo assim, por vezes era-lhes custoso e árduo suportar as adversidades da vida. Eles pertenciam à geração do início das grandes criações tecnológicas, à geração dos que colavam os cromos com cola e desconheciam o invento tão pouco estimulante do autocolante!! Agora a cola que transborda do tubo deixa resquícios de sujidade e de incómodo por tornar um acto quotidiano e rápido de higiene num acto mais moroso.
    Apesar de tentarem libertá-lo no seu próprio trilho de vida, apesar de o deixarem conhecer o outro (o que possui de bom e de mau), conservam o estado de vigilância constante e de interesse pelos feitos que ele realiza. Pretendiam contar-lhe as histórias do mundo (cada uma a seu tempo), enriquecerem-no com um pouco de tudo e depois deixá-lo seguir o seu caminho, pois consideram que o melhor é aprenderem a saber deixá-lo ser.

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